segunda-feira, 31 de julho de 2017

Café Royal XXX

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Bastava 1. Bastava uma morte. Não eram precisas 64, ou 65, ou qualquer outro número que lhe queiram dar. Bastava 1. Mas, no entanto, desprovidos da mais elementar decência, políticos e jornalistas entretêm-se numa obscena contabilidade da morte. Num sinistro espetáculo que é revelador, acima de tudo, da falência de todo um país. Pedrogão Grande é o marco, esperemos que definitivo, da morte de Portugal inteiro. Em 80 anos, 40 de ditadura e 40 de liberdade, Portugal falhou. O interior é deserto, envelhecido, acabrunhado. O litoral é desordenado, desequilibrado, desvairado… Este é o verdadeiro retrato do país que as chamas devastadoras de Pedrogão revelaram. Porém, na face da tragédia, o que fazemos enquanto comunidade é discutir o número de lápides quando deveríamos debater e agir em nome do futuro. Urge uma política de ordenamento do território, mas os nossos políticos estão entretidos a fazer ultimatos vácuos, passar de culpas e outras tantas declarações que seriam vãs, não fossem tenebrosas as causas que nos colocaram aqui. Urge equilibrar o país, no uso da terra, na criação de riqueza, na invenção de uma comunidade que seja tão solidária como produtiva. No entanto, o que fazemos é divagar tetricamente sobre as sombras dos mortos buscando tirar ganhos políticos e eleitorais da dor profunda que as labaredas criaram. Bastava um, bastava uma morte, porque esse um somos nós todos, essa morte é a nossa morte…

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